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As consequências de uma automatização total

Automatização e robôs.

Cada vez mais profissões são automatizadas, no futuro, talvez todas. No entanto, esta automatização faz desaparecer o emprego, portanto as fontes de rendimento. Os benefícios desta automatização poderiam beneficiar somente uma pequena minoria… é preciso preocupar-se? Como reagir?

Publicado em 30 Março 2017

O robô que pode ver na nossa ilustração chama-se Baxter.

Desenvolvido pela start-up Rethink Robotics, ele ambiciona substituir os seres humanos nas tarefas industriais simples. A sua vantagem? A sua polivalência. Os robôs industriais clássicos só sabem fazer tarefas especializadas. Baxter, com os seus dois braços e a sua visão, pode tanto fazer triagem de objetos como montar compostos mecânicos ou eletrónicos. No futuro, um robô como este poderá efetuar as mesmas tarefas do que qualquer operário numa cadeia de produção.

É um exemplo no meio de outros. Toda a gente já ouviu falar dos Google Car, estes carros capazes de se conduzir em autonomia. No futuro, eles vão poder oferecer um nível de segurança muito superior ao de um ser humano: o software da viatura não conhece nem o cansaço, nem a quebra de atenção, e pode reagir a um perigo imediatamente. De igual modo, robôs vão poder substituir tanto os cozinheiros como os garçons no restaurante, com uma eficácia e produtividade multiplicada. Para aqueles que ainda não acreditem, o TED Talk seguinde é convincente:

Qualquer profissão pode ser automatizada

Se é difícil dizer quando é que uma profissão será automatizada, a tendência é, no entanto, irrecusável: cada vez mais atividades vão ser afetadas por robôs e vão desaparecer do mercado do trabalho. Nós já vivemos numa sociedade onde numerosas tarefas, que outrora eram realizadas por humanos, são hoje feitas por máquinas. A consequência disto foi a grande diminuição dos agricultores e operários no mundo desenvolvido. As profissões atuais orientam-se mais para o setor terciário, para a supervisão das máquinas existentes e o desenvolvimento de novas máquinas cada vez mais eficientes.

Os trabalhadores das nossas sociedades recentraram-se na gestão de uma produção cada vez mais automatizada. No entanto, no futuro, estes gestionários também poderão vir a serem substituídos. As inteligências artificiais são por enquanto demasiadamente primitivas para tal, mas os seus progressos muito rápidos deixam a porta aberta a todas as possibilidades. Até mesmo os engenheiros e pesquisadores, que pensam estar protegidos da automatização podem ser suplantados um dia por inteligências artificiais. Até mesmo a Arte, domínio do ser humano por excelência, pode vir a ser investida por inteligências artificiais, como o sugerem as criações oníricas de Google Deep Dream.

Devemos ficar contentes ou preocupar-nos? À primeira vista, automatizar o trabalho parece ser positivo: libertado deste constrangimento, cada um poderia levar uma vida plenamente enriquecedora, feita de descobertas, de experiências, de encontros, de viagens, de cultura, de jogo, de criação, de amor, de filosofia, de partilha… No entanto, isto supõe que os benefícios desta automatização vão ser igualmente distribuídos, ou pelo menos, acessíveis à maioria. Mas, mesmo só falando dos países ricos, não é de todo certo. Vamos tentar explicar porquê.

Em direção à desigualdade extrema

O nosso mundo é cada vez mais automatizado, mas também cada vez mais desigual em termos financeiros. Quando camponeses dos países pobres vivem na miséria comparável à Idade Média, os “0,01% dos mais ricos” possuem mais dinheiro do que alguma vez foi alcançado no passado, com todo o luxo tecnológica que isso implica. Se não for um destes “super-ricos”, é muito provável que trabalhe para eles, diretamente ou indiretamente. Os que possuem partes importantes do capital investem para o aumentar. Estes investimentos geram atividade económica, e é aqui que você intervém. A automatização sendo ainda parcial, a máquina económica ainda precisa de numerosas “partes humanas” para funcionar. Para participar, você tem que satisfazer várias necessidades, começando por comer e ter casa. Isto gera mais atividade económica e por aí fora até aos empregos mais modestos.

Suponhamos agora que conservamos o mesmo sistema económico, e que automatizamos 50% dos empregos. O que vai acontecer? A economia vai “contrair-se”, e as desigualdades vão aumentar. Os donos do capital, investindo, poderão criar mais riquezas com menos empregos. O emprego das classes médias tendo sido reduzido, o consumo será menos nos produtos correntes e mais nos produtos de luxo. Os que só tiverem qualificações para empregos simples não terão praticamente nenhuma oportunidade, reduzidos à precaridade ou mesmo à miséria. Para os outros, será sempre possível obter um emprego, mas redobrando de esforço e de criatividade, ao preço de estudos cada vez mais longos e complicados, num mercado de trabalho cada vez mais restrito e competitivo. Os que possuem grandes partes do capital vão ser ainda muito mais ricos, se tiverem investido nos bons setores.

Suponhamos agora que levamos este fenómeno até ao seu limite máximo: o da automatização total de todas as profissões, como descrito mais acima. As desigualdades vão ser extremas, muito mais do que aquilo que podemos ver hoje. A produção industrial vai adaptar-se às necessidades daqueles que ainda podem consumir. Os outros, a imensa maioria, não sendo qualificados para qualquer emprego… num caso relativamente otimista, eles poderão viver de ajudas sociais, mas ao preço de uma lenta depressão e de uma culpa constante: muitos sistemas de valor (da direita, da esquerda ou mesmo religioso) designam-nos como sendo “parasitas”, que “não servem para nada”, etc. Em ultima hipótese, eles não vão ter outra opção do que cultivar parcelas de terreno, supondo que ainda sejam os donos. A miséria, o rancor e o sentimento de injustiça criados por esta situação vão tornar o mundo muito mais instável e perigoso, até para os “super-ricos”: motins, terrorismo generalizado, guerras…

Esta visão, que poderemos achar exagerada ou até mesmo caricatural, descreve, todavia, uma tendência em curso já na nossa época. Isto foi teorizado pelo economista Thomas Piketty no seu livro “O Capital no século XXI”, que conheceu um sucesso mundial visto a atualidade das suas temáticas. No seu livro é feita a demonstração muito comprida e muito documentada de uma tese afinal muito simples: hoje, o rendimento do capital rende mais do que o trabalho. O rendimento trazendo ainda mais capital, e, portanto, de rendimento, este estado só pode piorar, por circulo vicioso. A não ser que…

É sempre possível mudar de sistema, quando se está consciente dos seus perigos. Mas isso implica mudar primeiro as mentalidades.

Acabar com o dogma do trabalho

Desde os tempos primordiais, o homem teve que trabalhar para viver. É, portanto, lógico que, ao longo dos séculos, ele deu um grande valor ao trabalho, tornando-o em algo de sagrado: é bom e moral trabalhar e cada um têm que ganhar o seu pão com o seu esforço próprio. Os que não trabalham, que não participam do esforço coletivo são um peso para a sociedade e devem ser considerados com desprezo.

Esta mentalidade eram sem duvida adaptada nos séculos passados, onde o simples fato de sobreviver pedia uma parte importante de esforços e onde qualquer mão de obra suplementar era boa e útil. No entanto, hoje em dia, automatizamos um grande numero de tarefas. Por conseguinte, a boa vontade e o desejo de trabalhar não chegam sempre para encontrar um emprego. Este facto será cada vez mais verdade com o passar do tempo: para obter um emprego, será necessário ter cada vez mais qualificações, estar cada vez mais motivado, cada vez mais criativo… e por aí fora, até o dia em que a máquina ultrapasse o homem nos domínios mais sofisticados.

Mas, por inércia das mentalidades, continuamos a desvalorizar os adultos que não estejam na reforma e que não trabalham, principalmente se forem pobres. Os nossos políticos e os nossos media consideram-nos implicitamente como um fardo para a sociedade, como “parasitas”. Assim, estamos presos de um mundo esquizofrénico. Por um lado, desenvolvemos toda a nossa criatividade para automatizar o trabalho e libertar-nos dele, o que nos parece intuitivamente bom. Pelo outro lado, acusamos de todos os males aqueles que não trabalham, quando eles são apenas a consequência de uma automatização que nós desejamos! Num contexto de diminuição do trabalho e da automatização de massa, esta mentalidade masoquista não é viável no longo termo.

A sociedade distópica descrita mais acima é a consequência deste dogma do trabalho: o crescimento das desigualdades é justificado pelo facto que alguns fazem um trabalho altamente qualificado e outros não. A medida que o numero de empregos é cada vez mais restrito, estas desigualdades tornam-se cada vez mais extremas. Ironicamente, quando a automatização for quase total, praticamente ninguém terá trabalho: só existirá alguns ricos que vão aproveitar os privilégios da automatização total. O que justificava moralmente estas desigualdades (a capacidade em fazer tarefas que não eram automatizáveis) desapareceu e somente a desigualdades persistem.

A longo prazo, é absurdo considerar o trabalho como sendo um imperativo moral. Uma automatização total só poderá ser benéfica, por definição, aos donos do capital. Mas então podemos perguntar: não poderíamos todos sermos também donos do capital que provocou a automatização?

Redistribuir os benefícios da automatização

Se as desigualdades sociais são grandes, somos, no entanto, iguais em termos de peso eleitoral. Desta forma, se estivermos conscientes do que está em causa, podemos modificar a tendência e evitar o que poderia acontecer como descrito mais acima.

Sem ir até uma redistribuição perfeita, uma ideia cada vez mais falada é o “rendimento de cidadania”: um género de ajuda social generalizada, sem condições de obtenção nem limite de tempo, assegurando a todos um nível de vida decente. Esta medida já foi experimentada com algum sucesso e em pequena escala em certos países.

Na escala dos países desenvolvidos, o seu financiamento não é problema: podemos desbloquear quantias de dinheiro fenomenais com taxas do capital na ordem de 1% por ano, ou as transações financeiras em somente 0,2%. Além disso, no plano económico, este dinheiro não é perdido nem desperdiçado: no bolso dos ricos que lucram com o seu capital, é investido em projetos industriais; no bolso de pessoas comuns, ele será investido em produtos de consumo correntes. Nos dois casos, este dinheiro é reinvestido na economia e participa ao seu desenvolvimento.

Um dos maiores argumentos em desfavor do rendimento de cidadania é o do desincentivo ao trabalho. De facto, se o trabalho é cada vez mais escasso, existe sempre uma parte incompressível de trabalho, e isto por ainda algumas décadas. Mas, se cada pessoa já têm o suficiente para viver corretamente, porque razão iria ela trabalhar?

As experiencias que decorreram até hoje mostram, no entanto, que este rendimento não desincentiva as pessoas de trabalhar, antes pelo contrário: libertadas do constrangimento da sobrevivência imediata, os seus beneficiários podem ter outras atividades de utilidade comum, no quadro da economia colaborativa. Aqueles que trabalharem vão ganhar mais dinheiro, de forma ainda mais consequente com a escassez do trabalho. Além disso, se o trabalho for raro e facultativo, ele torna-se uma fonte de prestigio e de valorização social. Assim, a incitação para trabalhar será a mesma que leva a participar em competições desportivas de alto nível. Enfim, a inversão da relação de força existente entre o patrão e o empregado poderá permitir negociar condições de trabalho mais agradáveis (horários flexíveis e reduzidos, teletrabalho…), o que o vão tornar ainda mais atrativo.

A implementação deste instrumento de redistribuição tem que ser feita progressivamente, à medida que o trabalho é cada mais escasso e automatizado. Quanto mais a automatização do trabalho estiver avançada, quanto mais este rendimento deverá ser importante. E quanto mais o trabalho for raro, quanto mais ele será valorizado socialmente e recompensado materialmente, mantendo um forte incitamento para o trabalho até ao fim do processo de automatização.

Mas é preciso antes de mais que a sociedade esteja consciente das questões levantadas mais acima. Estas questões devem penetrar as mentalidades, os media e a esfera politica, para que medidas possam ser tomadas. Se a ideia de o rendimento de cidadania popularizar-se, se ela se tornar numa verdadeira questão eleitoral, então as medidas politicas seguirão. Hoje em dia, o dogma do trabalho ainda está profundamente enraizado nas mentalidades. Pertence a cada um de nós de se informar e de incentivar o debate em seu redor. No futuro, não existe profissão que esteja protegida da automatização; é preciso estar consciente disso, e interrogar-se sobre o futuro que nós queremos.

Ir mais além: a conferência de Nick Hanauer sobre a reconstituição de uma nova aristocracia através das desigualdades, https://www.youtube.com/watch?t=210&v=q2gO4DKVpa8

Artigo original da autoria de Alexandre, publicado com o título “Les conséquences d’une automatisation totale


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